quarta-feira, 23 de junho de 2010

Art. 168-A - Apropriação Indébita Previdenciária

        Antes de tudo, consta uma aparente impropriedade na designação do tipo penal, pois na redação da norma o legislador deu pouca importância àquilo que o autor do crime faz com o dinheiro sob sua custódia, mas que não é seu.

        Explica-se, enquanto no tipo do artigo 168 a norma exige que o criminoso se aproprie da coisa que mantém em depósito, tomando-a como sua, na redação do artigo 168-A se afigura indiferente o que ele fará com os valores, se vai mantê-los em depósito, guardá-los para si ou transferir a terceiros.

        Efetivamente, a norma em questão se contenta com o simples ato de deixar de repassar os valores descontados de outros contribuintes e segurados. O crime se materializa com o mero descumprimento de uma obrigação tributária de fazer.

        Seria o caso, então, de considerá-lo como crime tributário, pelo descumprimento de obrigação tributária acessória, por sua própria natureza. Um tanto deslocado, pois, dos crimes previstos no Capítulo V do Título II da Parte Especial do Código Penal.

       1. Objeto Jurídico - Parece que o bem jurídico a tutelar na hipótese do artigo 168-A do Código Penal é o patrimônio da própria seguridade social, que não pode ser aviltada em seu custeio, sob pena de inviabilidade de nosso sistema previdenciário solidário. Daí o objetivo do legislador de coibir qualquer omissão ao cumprimento das obrigações previdenciárias acessórias (de fazer), sintetizadas na conduta do particular de reter os descontos previdenciários previstos em lei e repassá-los regularmente à Previdência Social.

        Na hipótese, como se trata de um dever legal do contribuinte a conduta de manter consigo, por algum momento, os valores arrecadados, entregando-os posteriormente à arrecadação previdenciária, para o legislador sua situação jurídica é tida como equivalente àquela do fiel depositário, que mantém consigo, em caráter precário e temporário, importâncias devidas à seguridade social.

        Além disso, e diferentemente do artigo 168 do Código penal, aqui parece estéril o debate acerca da impropriedade, ou não, da inclusão de bens fungíveis, como é o dinheiro, para fins de se reconhecer a prática da apropriação indébita, pois a redação do texto se concentra justamente na repreensão do ato de "deixar de repassar".

        Como já referido inicialmente, é indiferente a circunstância de o autor ter mantido os valores em depósito regular, se apropriado destes ou entregado a terceiros, basta ter deixado de repassar as quantias à receita previdenciária na forma como prevê a legislação.

        2. Sujeito Ativo/Passivo: O sujeito ativo do crime é a  pessoa responsável pelo repasse do tributo à seguridade social, considerado pela doutrina e pela legislação específica como o sujeito passivo da obrigação tributária acessória (art. 122 do Código Tributário Nacional).

        O sujeito passivo do delito é o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, enquanto autarquia com atribuições suficientes à administração dos valores previdenciários.

        3. Elemento Subjetivo: Sem previsão de modalidade culposa, o crime só se materializa com a efetiva vontade omissiva do autor de não repassar o tributo cuja custódia lhe foi confiada. Só é previsto o crime doloso.

        4. Consumação/Tentativa: Por ser considerado delito omissivo próprio, o ato de deixar de fazer não comporta tentativa.
        
        5. Condutas equiparadas: Igualmente omissivas (pois também repreendem o deixar de fazer), as condutas previstas nos incisos I a III do § 1º diferem das estabelecidas no caput por exigirem pontualidade do contribuinte já no ato do recolhimento do tributo a seu encargo, de computá-lo sobre o preço do produto ou do serviço do empreendimento contribuinte, quando neste é incluído, e no momento de pagar benefício previdenciário de sua incumbência, por compensação previdenciária anteriormente recebida.

        Não se livra da incidência da norma, então, aquele que, embora repasse regularmente os valores previdenciários, tal como determina a legislação, deixa de efetuar os recolhimentos dos encargos na forma e prazos determinados pela legislação. Mesmo isso se tratando de situação remota.

        6. Causa extintiva da punibilidade: O § 2º incorpora formalmente aos crimes previdenciários o tratamento que a jurisprudência já atribuía à matéria, a partir do artigo 34 da Lei nº 9.249/95, indutiva da extinção da punibilidade ao contribuinte que promovesse o pagamento do tributo ou contribuição social até antes do recebimento da denúncia. Contudo, estabeleceu condições mais severas para o reconhecimento do benefício, que só será possível até o início da ação fiscal, mediante confissão espontânea do débito e pagamento da contribuição devida, cabendo, depois disso, apenas a hipótese de perdão judicial, se for o caso, mas isso até o oferecimento da denúncia.

        7. Perdão Judicial: O § 3º estabelece condições específicas para se deixar de aplicar a pena, sempre a partir das condições pessoais do autor (primariedade e bons antecedentes).

        De um lado admitindo como causa disso o pagamento da contribuição previdenciária depois do início da ação fiscal, mas até antes do oferecimento da denúncia. De outro considerando o valor reduzido da contribuição devida, quando for inferior ao mínimo estabelecido para o ajuizamento de execução fiscal.
        
        8. Exclusão do Perdão Judicial: A lei nº 13.606/18 acrescentou o § 4º ao artigo 168-A do CP, excluindo das hipóteses de perdão judicial os parcelamentos de valores superiores aos mínimos suficientes para o ajuizamento das respectivas execuções fiscais.



        Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional: 
        Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. 
        § 1o Nas mesmas penas incorre quem deixar de: 
        I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público;
        II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços;  
        III - pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social.  
        § 2o É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal.
         § 3o É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que: 
        I – tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios; ou 
        II – o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.

§ 4o  A faculdade prevista no § 3o deste artigo não se aplica aos casos de parcelamento de contribuições cujo valor, inclusive dos acessórios, seja superior àquele estabelecido, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.

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